Saturday, October 01, 2011

O Símbolo Sexual Relutante


Título Original: “The Reluctant Sex Symbol”
Por: Stewart Who
Para: Hospital Club UK Magazine
Data: 13 de Janeiro de 2010
Tradução: Angélica Albuquerque


Está uma tarde fumegante, nublada e barulhenta em Camden e um monte de garotas adolescentes punks estão sentadas na rua do Electric Ballroom. Elas estão determinadas a serem as primeiras da fila no show da Spinnerette de hoje à noite, pois elas querem prestar homenagem à heroína do hardcore, Brody Dalle.
Vejam vocês, ela é uma pin up clássica do rock and roll, garotas querem ser como ela, garotos querem trepar com ela. Bem, isso é um pouco injusto, há mais em Dalle do que sua beleza rebelde atrás do galpão.
Sua voz pode variar de uivados berrantes a voz de uma patricinha pop... Ah, e ela toca guitarra como um filho bastardo com um grande tesão.

Você tem que admitir que Dalle vem com bastante bagagem. Ou isso, ou ela viveu muito. Vinda de Melbourne, ela cresceu em um lar disfuncional e destrutivo. Por volta dos nove anos de idade, Dalle viu sua mãe dar um pé na bunda de um homem abusivo, antes de se casar e ter filhos com outro. Aos treze anos de idade, ela foi expulsa de várias escolas, preferiu viver nas ruas do que em casa e encontrou consolo na heroína. Após alguns anos dando uma de Amy Winehouse, ela trocou as agulhas pela guitarra e formou uma banda punk só de garotas chamada Sourpuss. Desde então, ela vem se consolidando e partindo corações.

No andar de cima do Electric Ballroom, num camarim que é tão desolador e hostil como um retiro de crack suburbano, Dalle e seu companheiro de banda, Tony Bevilacqua, estão empoleirados em um sofá de couro sintético. Eles acabaram de checar o som do palco e enquanto Bevilacqua está desleixado e com um charme descontraído como um Muppet do rock and roll, Dalle está um pouco desconfiada. Considerando a dor que ela sofreu tanto da imprensa e de seus próprios fãs, é perfeitamente compreensível. Quando vocalista do Distillers, ela costumava entornar uma garrafa de vodka e fumar um maço de cigarros como preparativo para o show, então como se aquece para as apresentações agora?

“Eu não posso mais fumar um maço de cigarros e se eu beber uma garrafa de vodka, provavelmente, eu irei desmaiar e morrer. Eu acho que é a questão da tolerância, eu construí muita desde então... você sabe, e eu tinha vinte e quatro anos.

Será que ela alguma fez sentiu pressão para ser tão rock and roll quanto os garotos? “Pressão não, mas seguir a mesma linha que eles, sim. Se eles tomassem treze doses, eu tomava treze doses. Mas eu desmaiava... e eu, realmente, fiz coisas estúpidas, como bater em pessoas e tirar minhas roupas.”

Tony Bevilacqua reconhece que, apesar da reputação feroz de Dalle, ele muitas vezes sente-se protetor em relação à ela.

“É um tanto difícil quando você está tocando e há algum bundão bêbado gritando 'mostre-me isso, mostre-me aquilo'. É ridículo. Você tem vontade de ir até lá, dar um soco na cara dele, mas você está tocando e não pode na verdade fazer isso.”

Enquanto Dalle é promovida por uma imagem de rebelde raivosa, a mulher sentada na minha frente é sensível, cautelosa e autêntica. Ok, então você não iria brigar com ela, mas ela está muito longe da megera retratada na imprensa.
Sua vida amorosa atraiu tumulto e ódio em uma cena que as mulheres são mais julgadas do que os homens. Quem desconfiava que o rock and roll poderia ser tão intolerante? Ela conheceu Tim Armstrong, frontman da banda de punk rock Rancid, aos dezessete anos de idade. Quando Dalle fez dezoito anos, eles então casaram e deixaram Melbourne para viver em Los Angeles. Após seis anos de um casamento conturbado, ela abandonou Armstrong e juntou-se ao frontman do Queens of the Stone Age, Josh Homme. Essa mudança causou na comunidade punk uma grande manifestação, cuspindo com fúria e mirando a maior parte de sua bíle na Brody. Vendo pelo lado positivo, este ultraje explosivo ajudou a alimentar o sucesso do criticamente aclamado álbum Coral Fang, do Distillers. A banda teve o bom humor para nomear a maioria das suas turnês pelos Estados Unidos de “A Turnê da Mulher Mais Odiada da Terra”.

Ela suspira com uma resignação desgastada à menção desse período e, obviamente, não quer colocá-lo em evidência novamente. “As coisas vão embora”, ela suspira. “Elas morrem, são enterradas. São apenas um pouco de eco no passado. É absurdamente assustador.”

Originalmente contratada pela Sire, Dalle deu o dedo do meio para a indústria musical do mainstream ao lançar-me de forma independente com o seu novo projeto Spinnerette. Ela contou para a NME: “Eu não queria fazer qualquer merda para pessoas que não ligam para a arte. Eu quero me focar mais na arte e, então, dar as cartas.”

Perguntada como anda essa estratégia, Dalle falou: “Está funcionando muito bem. Não preciso lutar para que uma concepção de arte seja aprovada.”

Isso deve ser referente ao álbum Coral Fang, onde a capa com uma mulher nua e ensanguentada num crucifixo foi apressadamente alterada quando as maiores lojas de discos se recusaram a vendê-lo. A capa para do álbum de estreia da Spinnerette traz um close no corpete e na roupa de baixo de Dalle. É super inofensivo, mas quando a banda se apresentou no programa do David Letterman, a artwork foi vetada pela CBS. Calcinhas de renda são muito atrevidas para a América puritana, mesmo depois da meia-noite.

O mundo fashion adora as vocalistas do rock: veja o exemplo de Courtney & Versace ou Madonna & Vuitton. Se não é uma campanha publicitária, então os selos fazem com que as meninas do rock fiquem em destaque. Será que a ausência de Dalle neste circo simbiótico é uma escolha consciente?

“É engraçado, você deveria dizer isso,” Dalle admite, “Eu fiz uma sessão de fotos ontem para a revista Pop. Tinha um monte de couro e leopardo, então isso não fica muito longe do que eu faço... E, recentemente, Marc Jacobs queria nos levar para Toquio para fazermos um show no seu desfile.”

Casada felizmente com o ruivo Josh Homme, com uma filha de três anos de idade, Dalle parece menos atormentada pelos demônios da sua juventude. Como Brody praticava automutilação, eu perguntei a ela como esse ciclo terminou e qual conselho ela daria para as meninas que continuam a fazer isso. Ela dá um suspiro longo e profundo e eu me desculpo por ter feito uma pergunta tão pesada.

“Tudo bem,” ela diz docemente. “Eu sofri abuso sexual quando criança, então acho que boa parte disso me influenciou a praticar a automutilação. A maioria das mulheres que eu conheci, tive contato ou li sobre (ter sido abusada), se cortavam ou então arruinavam suas vidas... E acontece a mesma coisa com alguns garotos. Para mim, é apenas algo que passou. Eu não queria continuar fazendo isso.

Com um exército tão grande de fãs composto por garotas jovens, será que ela sente pressão de ser um modelo para elas?

“Você diz confiante, responsável? Sim, sinto essa pressão, mas não é justo. Primeiramente e o principal de tudo, eu sou uma artista e eu faço música. Eu quero usar minha música para falar, ao invés de qualquer outra coisa. Para mim, a música é curadora e ajuda você a passar por alguns momentos. Ele pontua e faz crônicas da sua vida e espero que é isso que ela faça. Sabe, algumas vezes eu farei algo que não irá parecer tão bom ou soar tão bem e eu sou muito teimosa e algumas pessoas não gostam de minhas opiniões... Então não há muito que eu possa fazer em relação a isso, você sabe. Eu só espero que as garotas possam tomar suas próprias decisões e fazer com que essas decisões sejam certas pra elas... E não fazê-las baseadas em o que outra pessoa pensa delas.”

Dalle e Bevilacqua riram em silêncio quando eu perguntei por que o rock e a heroína parecem andar tão bem juntos. “É engraçado, diferentes tipos (de música) usam diferentes drogas”, disse Dalle. “Eu não acho que nós alguma vez fizemos parte do gênero que usava realmente heroína, é mais cocaína e speed, sabe, coisas que empolgam.”

“Uma coisa sobre a cocaína e o speed é que não melhoram nem um pouco a música”, adiciona Bevilacqua, “Na verdade, torna-a horrível.”

Parece que todo mundo, me incluindo, gosta de falar sobre drogas. Concluímos que cocaína não é criativa, ópio pode ser inspirador e êxtase pode fazer com que você dance ao som de um caminhão dando ré.

Será que Dalle se preocupa com os modelos femininos para sua filha, tipo, como ela se sentiria se a pequena Camille Harley começasse a idolatrar Paris Hilton?

“Eu corto os meus pulsos,” desembucha Dalle. “Eu espero que, por conta do ambiente em que ela vive, que isso não aconteça. Não estou forçando nada para ela, mas posso meio que apontá-la para uma direção.”

Perguntada sobre como ela se sente em ser vista como um símbolo sexual, Dalle admite, “eu não me acho muito sexy", sem alguma expressão. “Nem um pouco.” Será que ela sente pressão associada a essa imagem?

“Algumas vezes sim. Quero dizer, eu acho que se eu tivesse com alguns quilos a menos no momento, as coisas seriam um pouco diferentes.

Seu status de símbolo sexual faz totalmente sentido quando ela está no palco, uivando e berrando na sua cara. Ficar sentado perto dela em um quarto e vê-la se apresentar, prova que essas são experiências diferentes.
Com uma guitarra suspendida pelo seu ombro como um rifle, ela evoca uma sensualidade crua que é refrescante e genuína. Ela não está imitando uma pose pseudo-pornô, adotada por algumas bandas de meninas.

Ela é sexy porque ela está no controle e mandando ver no palco. É “foda-se pra você, foda-se pra mim” ao mesmo tempo. E, caso você tenha dúvidas, ela tem tatuado “Fuck Off” no seu braço esquerdo. Como muitas mulheres que tem vida pública, seu peso parece ser gerar uma discussão infinita e Bevilacqua pontua o sexismo inerente a esta situação. Ninguém comenta sobre sua escolha do que vestido no palco, mas Dalle está sujeita aos preconceitos da polícia da moda.

“Eu não me importo tanto com o que vestir, porque eu amo isso," ela admite. "É mais a outra coisa.”

Como alguém que cresceu na Austrália relativamente de forma relaxada, será que ela acha difícil conciliar a sua pró-escolha, suas visões anti-estabelecimento com Deus no país onde vive no momento?

“Isso é interessante”, ela diz. “Eu não fui batizada, mas eu estudei numa escola feminina católica. Eu fui criada com essa mãe feminista, atéia, política, esquerdista, e ela me mandou para a escola feminina católica para que eu não ficasse perto dos meninos. Eu não acho que ela percebeu o impacto que isso teria sobre mim. Eu era a única pessoa com dezoito anos de idade que teve pró-escolha.”

Ela parece estar em prejuízo para trabalhar em como colmatar a dívida entre os direitos religiosos pensados "pró-vida" e suas próprias visões. Em referência à “Lake of Fire”, documentário notoriamente gráfico de Tony Kaye, ela pergunta, “O que você pode fazer quando as pessoas têm sentimentos tão intensos e visões tão opostas?”

Será que ela sente, de algum modo, medo de ter feito uma pró-escolha?

“Nem um pouco”, ela diz com confiança, citando os valores hippies liberais do Sul da Califórnia onde vive. Ele pensou por alguns momentos e então disse, “humanos são tão complicados e tão, er...

“Estúpidos?!” interrompe Tony.

Ela tinha razão, Tony tinha o timing cômico perfeito. Todo mundo caiu na gargalhada.

Naquela noite, eu retornei ao Electric Ballroom para vê-los em palco. Por qualquer padrão, foi uma fascinante performance. Dalle está com tudo, sua voz dá calafrios na espinha é fácil notar o motivo de ter mantido o Tony a bordo. Ele toca a sua guitarra com uma habilidade frenética que é de tirar o fôlego. Eu voltei todo sorridente para casa, carregando o CD autografado como uma adolescentezinha. Brody Dalle pode ter amadurecido e mudado seu tom um pouco, mas mesmo ela não sentindo, é sexy, por vezes assustadora... e, sem dúvida, a mulher mais descolada do rock.