Título Original: “Punk Not Dead”
Por: Rebecca Swanner
Para: Inked Magazine
Data: Maio de 2009
Tradução: Angélica Albuquerque
No coração da cidade de Nova Iorque, Brody Dalle grita no microfone. Seus olhos pintados são apertados ao serem fechados, seu cabelo preto, revestido com suor, gruda em seu rosto e seus lábios vermelhos são abertos para deixarem o grito doloroso sair: “They say this is the city/The city of angels/All I see is dead wings.” Mas essa não é a cidade dos anjos. Na verdade, Dalle está mais do que três mil milhas da sua casa nas colinas de Los Angeles. Sobre o palco, dentro da bolha de vapor do CBGB, Dalle, até então a frontwoman da banda de punk rock furiosa The Distillers, agita o público abarrotado - um misto de punks sujos, magros e celebridades como Janeane Garofalo - em um frenesi que lhes faz bater um nos outros como as ondas de fãs que são empurradas em direção ao pequeno palco.
Isso foi em julho de 2003. O Distillers tinha assinado recentemente um contrato com a Sire Records, uma divisão da Warner Music Group. Eles estavam dando um tempo do Lollapalooza e já estavam trabalhando no Coral Fang, seu terceiro álbum, programado para ser lançado no outubro do mesmo ano. Mas nem tudo ia bem no mundo da banda. Coral Fang seria o último álbum que o Distillers gravaria junto e Dalle, a sarcástica porta-voz da banda, havia sido flagrada beijando o líder do Queens of the Stone Age numa foto para a revista Rolling Stone - o que não seria um problema se ela não fosse casada com Tim Armstrong, do Rancid.
Aquela foto e o divórcio, logo em seguida, iriam dividir o mundo punk em dois. Quando o par estava junto, se tornar fã das duas bandas não era precisava de esforço. Musicalmente, eles tinham muito em comum. Mas depois daquele fatídico verão, era como se você tivesse que escolher um dos lados. Até mesmo num show, um rapaz surfou na multidão segurando um cartaz que estava escrito “Aceite o Tim de Volta”. Dalle o ignorou. Parecia, pelo menos tanto quanto o mundo lá fora estava preocupado, que ela havia seguido em frente. Quando o Distillers lançou Coral Fang naquele mês de outubro, não havia nenhuma música sobre fim de relacionamento. (Já do outro lado, “Indestructible” do Rancid, lançado em agosto, tinha músicas como “Tropical London” e “Fall Back Down”, que mostravam que Armstrong não estava sofrendo em silêncio).
Dalle mudou o seu sobrenome (ela já teve sete desde que nasceu) quase que imediatamente depois da separação, nomeando a si mesma depois que a sua estrela cinematográfica favorita, a atriz francesa Béatrice Dalle, que, para a surpresa de Brody, apareceu no show da banda em Paris, em fevereiro de 2004. Ela lembra: “Eu quase parei de cantar e enlouqueci, porque eu conseguia vê-la na parte de trás do local.” Depois de fixar o seu novo sobrenome, Brody voltou para a sua cidade natal, Melbourne. “Eu estava na Austrália e minha tia tem um ótimo senso de humor. Ela disse algo do tipo, 'Do que você irá se chamar agora? Talvez você devesse ser bem autêntica e criar um nome verdadeiramente australiano. Você sabe, tipo Brody Bushwacker ou Brody Canguru!' Ela estava me zoando, totalmente,” Dalle relembra, seu leve sotaque finalmente havia aparecido. Enquanto ela é Brody para você, a família de Dalle continua chamando ela pelo seu nome verdadeiro, Bree. “Eles me chamam de Breezy Wheezy [nota: Algo como 'Ruivinha Ventosa'], o que me deixa maluca, já que quando eu era criança, eu era asmática, então era chamada de Breezy Wheezy - algo bem cruel!”
Em 2005, depois de parecer que os maus tempos acabaram e que as mágoas passaram, o Distillers começava a implodir. Isso começou com a saída do baterista. “Andy Granelli entrou para o Darker My Love e não me contou. Nós tivemos que demitir o nosso empresário. Nós não estávamos nos falando. Fomos entrevistas todos os produtores para fazer um álbum, mas não conseguimos nada. Eu tinha músicas, mas não tínhamos tocado nada. Nós nem sequer estávamos pensando em gravar outro disco. Tínhamos acabado de passar dois anos na estrada e estávamos exaustos, acabados e com nervos à flor da pele,” diz Dalle, com uma voz revestida com tristeza. “Foi horrível. Andy e eu decidimos que, provavelmente, não seria uma boa ideia continuar e que talvez um dia a gente tocasse junto de novo - mas não foi dessa vez.”
As coisas estão diferentes hoje em dia. Aquele infame beijo com o líder do Queens of the Stone Age, Josh Homme, tornou-se mais do que um pontapé rock 'n' roll. No mesmo ano o Distillers se separou, Homme e Dalle descobriram que ela estava grávida e se apertaram os laços. Dois anos depois, após ter aparecido sob vários pseudôminos em faixas do Queens of the Stone Age e Eagles of Death Metal, Dalle estabeleceu raízes para o seu próximo projeto, Spinnerette. Em 2008, o grupo lançou o seu primeiro EP, Ghetto Love, e um álbum está previsto para ser lançado em breve. E, momentos atrás, Dalle disse adeus para a sua filha de três anos e meio, Camille Harley Joan Homme, a colocando dentro do carro com os pais de Homme.
Enquanto Dalle está fazendo os seus primeiros shows no exterior, em Londres com a sua nova banda, e Homme está em estúdio, Camille estará no deserto visitando os seus avós. Mas saber que a sua filha está em boas mãos, não faz com que Dalle pare de empurrar fotos dela e de Homme dentro da pequenina bolsa da Camille. Dalle admite, “Eu sou impossível... eu fico tipo, não me esqueça!”
Camille é a pessoa que mudou a vida de Dalle para sempre. Criada em Melbourne, Dalle teve um começo duro. Quando ela era muito pequena, sua mãe expulsou o seu pai de casa por abuso, na época Brody tinha nove anos de idade, sua mãe tinha casado novamente e teve uma filha com outro homem. Aos treze, Dalle foi expulsa de mais de uma escola, estava dormindo nas ruas e estava se afundando em drogas (incluindo heroína); alguma vez antes de se mudar para os Estados Unidos, ela foi acusada de tentar estrangular sua mãe na sua cozinha. Ela fez sua primeira tatuagem aos catorze anos (ela agora tem por volta de vinte), uma estrela em seu polegar.
Dois anos depois, ela teria a imagem de uma aranha mortal redback (do mesmo gênero das viúvas-negras) tatuada no seu tornozelo. “Eu estava desenhando coisas em mim durante anos. Eu comecei com aquela estrela e não parei.”
Antes de ter ido para a América, Dalle fez estrelas multicoloridas nos seus pulsos em um puído salão de tatuagem que ficava nas docas em Melbourne. “Essa foi feita por um cara que tinha tipo, uns cento e trinta e seis quilos e se vestia com algo que parecia ser um órgão de lotação tatuagem, porque todas as suas tatuagens tinham derretido entre si. Parecia que ele tinha redes de pescar com pouca rosas vermelhas em toda parte. [Risos.] Ele me assustou e estava segurando o meu braço tão forte que eu queria sair correndo de lá. Esse provavelmente não era um bom lugar para uma adolescente estar passeando por lá, mas você sabe... Eu estava lá.”
Logo depois de ter mudado para a América, Dalle teve seu bíceps direito coberto por um poderoso dragão e uma gueixa em preto e branco, feitos por Jesse Tuesday. “Eu amo tattoos. Eu amo me marcar. É como se fosse um cronograma.”
Mas apesar desse cronograma positivo, parece que não foi até o nascimento de sua filha que Dalle fez as pazes com as escolhas de seu passado. “Quando você tem um filho isso realmente abre a caixa de Pandora. Você não quer passar a sua doença ou seu passado ou toda essa merda insidiosa de sua infância. Houve várias coisas que eu tive que deixar para trás. Minha mãe era uma mãe solteira quando eu estava crescendo e isso foi uma verdadeira luta para ela. Eu meio que a culpei por muitas coisas que aconteceram e fiquei enfurecida com ela durante um bom tempo até eu ter a Camille e eu percebi o quão difícil deve ter sido pra ela e o quanto isolador e doloroso deve ser pra uma mãe que trabalha sem parar e tem uma filha.” Ela continua: “Quando eu tive a Camille, tudo mudou. Eu me desculpei com a minha mãe e me curei. Então o meu pai morreu e isso foi outra coisa que me fez aproximar da minha mãe.”
Ela é agradecida por seu padastro, o homem quem ela chama de pai. “Ele salvou a minha vida. Ele era novo quando esteve com a minha mãe. Ele tinha por volta de vinte anos e eu acho que foi um pouco assustador para ele estar em um relacionamento com uma mulher que tinha uma filha, mas ele não recuou. Ele estava apaixonado pela minha mãe. E quando você está apaixonado por alguém, você fará qualquer coisa, não fará? Por suas próprias ações, ele me ensinou a ser uma pessoa melhor, a ser responsável por minhas ações, meus pensamentos e como eu me movo no mundo.” Deve ter levado anos para que essas lições fossem aprendidas, mas a sua presença é registrada com a dela até então. “Ele era um ouvinte incrível. E quando você é uma adolescente, tive esse tipo de relacionamento com a minha mãe quando cresci. Houve um pouco de afastamento, o que eu acho que acontece para todas as mulheres. Você está tentando cortar o cordão para que possa crescer em si mesma e se tornar mulher... Eu acabei de perceber - Em dez anos, Camille irá ter treze e estamos fodidos! [Risos.] Todo meu karma adolescente voltará para mim!”
Se esse for o caso, pelo menos não foram todos os seus anos adolescentes que estiveram cheios de tragédia e destruição. Quando ela tinha dezesseis, Dalle começou a sua primeira banda, de só de garotas, Sourpuss. Aos oito anos de idade, Dalle tocou a raquete de tênis do seu pai como se fosse uma guitarra, mesmo embora as suas maiores inspirações na época fossem Cyndi Lauper, Madonna, Roxette e Miami Sound Machine. Mas a sua maior influência foi o seu tio, Frazier, que costumava tocar violão na praia, o que ela pensava que era “a coisa mais legal no mundo todo.” Ele deu para Dale a sua primeira guitarra, mostrou para ela alguns acordes e pouco tempo depois ela estava seguindo sozinha. “Isso também foi quando as mulheres modelo do rock como Courtney Love, Bikini Kill, L7, Kim Gordon e outras, começaram realmente a explodir. Então eu tinha algo para onde mirar e procurar - aconteciam vários movimentos que eu poderia fazer parte.”
Ao longo dos próximos cinco anos, Sourpuss evoluiu para The Distillers e Dalle conheceu Armstrong no backstage da Warped Tour, se apaixonou, mudou-se para Los Angeles, casou-se e aí, poucos anos depois, divorciou-se. Não que qualquer uma dessas coisas aparecesse no novo disco. “Eu sofria a perda daquele casamento antes mesmo de ele terminar, porque eu sabia que iria. Eu não recomendo que nenhuma garota de dezoito anos case com um homem doze anos mais velho. Essa não é uma boa idéia, mesmo se você achar que essa é a melhor idéia no mundo. Você não consegue me convencer. Eu olho para a minha irmã e eu não consigo imaginá-la sendo domesticada aos dezoito anos.”
Embora Dalle tenha reconciliado muitos dos seus antigos relacionamentos, ela e Armstrong não se falam mais. “Nós não temos nenhuma conexão. Não por minha escolha.”
Para qualquer fã de Distillers, o som da Spinnerette é uma surpresa. Tony Bevilacqua, o último guitarrista do Distillers e um dos melhores amigos de Dalle, volta, mas a raiva que era tão visceral nos três álbums do Distillers – The Distillers, Sing Sing Death House e Coral Fang - dissipou-se. No lugar do rugido que lhe rendeu muitas comparações com Courtney Love, Dalle lança a sua voz, que é profunda e bastante sedutora. A australiana de um metro e setenta e três centímetros também parece diferente, quase moderna. Ela também parece saudável. “Eu tenho corrido tipo, dez quilômetros por dia e feito boxe. Eu adquiri vinte, trinta quilos e é difícil pra caralho perder esse peso.” Dalle atribui o excesso de peso que ganhou durante a gravidez aos anos de auto-abuso. “Eu acho que isso veio dos quatro anos antes, onde eu não comia, não me importava comigo e fazia todo o tipo de merda que estava destruindo o meu corpo. Eu descobri que estava grávida e você não pode fazer nenhuma daquelas coisas. Sem café, sem álcool, sem nada. Eu estava tipo, ok... o que eu posso fazer? Eu posso comer! Mas eu me pareço mais comigo hoje do que antes de estar grávida, então eu acho que me sinto mais confortável.”
Ela não retornou aos seus dias de bebida pesada e sequer pretende voltar. “Ficar com o meu cérebro bêbado não é muito apelativo para mim hoje em dia. Eu posso beber meia taça de vinho, mas socar pessoas e tirar a minha roupa - isso não é de classe. Sou irlandesa. Eu desmaio. Em primeiro lugar, eu nunca deveria ter bebido, já que eu muito mal-humorada quando eu bebo. Eu coloquei fora as coisas que não servem mais. Eu estou um pouco mais preocupada em fazer as coisas do que em perder o meu tempo.” Mas uma coisa que ela não deixou pra trás, foi a tatuagem. Embora ela não tenha algum plano de fazer tatuagens iguais com Homme por temer atrair má sorte para o seu relacionamento, ela pediu para Clay Decker tatuar o nome do seu falecido pai em seu braço e o símbolo da Chanel representando a sua filha. Ela, provavelmente, não vai fazer outra tattoo com a que tem no seu braço esquerdo com “Fuck Off” escrito. Essa tattoo foi feita em uma noite em Albuquerque quando ela estava passeando com a sua amiga Tick. “A gente estava apenas vagabundeando e ela falou, 'Me deixe tatuar você. O que quer que eu escreva no seu braço?' E eu respondi tipo, 'Cai fora!' (Fuck Off)! A caveira e a borboleta já estavam lá e o 'Fuck Off' veio um ano depois, em 2000.”
Apesar do estilo de vida mais responsável e do som menos brutal, Dalle continua ainda muito feroz - mas só diferente. “Eu na verdade continuo gritando muito nos shows. Quando eu estava com o Distillers, nós estávamos em turnê durante o ano todo e minha voz estava constantemente acabada. Ela nunca teve tempo para se curar. Ficar sem cantar por um bom tempo me fez ter uma voz virgem,” ela diz, com uma pitada do tom estridente que caracteriza o seu som. “Mas você consegue ouvir a minha voz agora porque eu tenho praticado. É mais profunda. E eu não fumo mais, então eu consigo respirar mais fundo e alcançar notas maiores.”
A primeira música que Dalle escreveu para o disco da Spinnerette foi a amorosa/odiosa “Cupid”, seguida logo depois por Ghetto Love, uma faixa que ela trabalhou implacavelmente com Alain Johannes, guitarrista da Spinnerette, Queens of the Stone Age e Eleven. “'Ghetto Love', originalmente, era pra ser sobre o amor entre duas pessoas de raças diferentes. Minha irmã menor, que é a ovelha branca da família e ama homens negros, ficou tipo, 'por favor, faça essa' e eu fiquei tipo, 'de jeito algum! Eu não sei se isso vai cair muito bem.' Então, ao invés disso, é sobre a humanidade e a tentativa de fazer o mundo um lugar melhor. Quando nós terminamos a música, falamos 'nós não podemos parar agora! Vamos continuar!'”
Não foi tão fácil quanto parece. Durante a criação do álbum, a mulher de Johannes, a musicista Natasha Shneider, morreu de câncer. “Foi muito tenso. Nós todos ficamos tão mal por ele. Não há nada que você possa dizer. Você pode fazer coisas para ajudar a suportar, mas você apenas tem que estar lá, você sabe, e ser super cauteloso sempre e apenas amar uns aos outros.”
Como resultado disso e do equilíbrio de Dalle e seu trabalho como uma nova mãe, o álbum levou dois anos para ser finalizado. Agora está pronto para ser lançado através do selo do Rush, Anthem Records. A música é mais brilhante do que os esforços anteriores de Dalle, mas as letras continuam catárticas. “Elas lidam com relacionamentos e o seu passado e tentar se libertar dele, para que você não o arraste para o seu futuro - muitas dessas coisas foram bem difíceis para eu escrever. Mas há um tema principal nesse disco: Ter amor, ou falta de amor, ou perda de amor, ou tentar conseguir amor, ou tentar matá-lo.”
Há alguns momentos mais leves, assim como a sacana “Sex Bomb”, um ode à rainha do rockabilly, Wanda Jackson, sobre os prazeres da monogamia e de estar com o seu marido (a dupla também estava escrevendo as músicas do seu próprio grupo). “Ele é, definitivamente, a minha bomba de sexo. É sobre monogamia e fazer sexo toda noite. Você não tem que ir a um show ou se vestir toda ou falar sobre um monte de asneira que não quer falar. Se você quer fazer sexo, você pode fazer o que você bem quiser. Essa é a beleza do amor.”
Em outubro do ano passado, em um clube pequeno em Santa Barbara, Califórnia, Dalle compartilhou suas músicas no palco pela primeira vez. “Eu acho que fazia quatro anos desde quando me apresentei pela última vez. Eu queria molhar meus pés sem ter ninguém jogando confetes em mim. Eu não queria estar sob a lupa. É um pouco desesperador quando você fica sem tocar ou se apresentar durante um bom tempo. Você meio que esquece. Eu sou uma mãe e eu estou no modo mãe-integral. Vestir uma guitarra me fez sentir como se tivesse vestindo um 'cintaralho'. Tipo, 'o que é isso? Ah, sim.' Isso é o que eu faço para viver.”