Saturday, September 24, 2011

Matando o Anjo na Casa

Contratados por uma grande gravadora e com uma passagem pela turnê Lollapalooza, os Distillers estão prontos para se tornarem estrelas do rock. Como Brody Armstrong irá tolerar a fama?


Título Original: “Killing The Angel in the House”
Por: Judith Lewis
Para: L.A. Weekly
Data: 26 de Junho de 2003
Tradução: Angélica Albuquerque


No alto de uma estrada vertiginosa numa floresta com pinheiros acima da Marin County (Califórnia), situa-se um luxuoso estúdio de gravação nomeado de Site. É um lugar onde músicos, com grande apoio de suas gravadoras, podem trabalhar em cabines privadas, onde o equipamento do estado-da-arte de gravação encontra-se com quartos comuns acolhedores, onde estrelas do rock podem relaxar em um quente ofurô com uma vista espetacular para as montanhas verdes. No momento, sua sala de audição espaçosa é preenchida rapidamente com o fumo passivo. Brody Armstrong, a vocalista principal, guitarrista e letrista do Distillers, se instala em um sofá em direção ao fundo da sala, há um Parlamento entre seus longos dedos e seus pulsos tatuados sobre os joelhos. Todos os outros - o baterista Andy Granelli, o baixista Ryan Sinn, o recém recrutado Tony Bevilacqua (o nome quer dizer “beber água” em italiano) - também acendem cigarros e o ambiente fica estranhamente calma conforme todos assumem suas posições no chão para fumar e ouvir as faixas cruas do novo registro da banda em andamento, cuja maioria consiste em um pouco mais do que linhas de bateria durante descanso de vocais e bases de guitarra e baixo. O produtor Gil Norton agacha-se no chão perto de Granelli, Sinn e do jornalista da Warner Bros., Brian Bumbery. Armstrong foi quem selecionou as músicas; quando um engenheiro entra e protesta uma de suas escolhas – “disseram-me que não deveria mostrar aquela música ainda,” ele se opõe - ela casualmente o rejeita. “Eu definitivamente quero que ela ouça aquela faixa,” ela diz. “Mostre.”

O engenheiro prepara quatro faixas: uma hardcore punk chamada “Hurricane”, uma improvisada nas sessões de feedback, uma canção sobre ventre e hímens e sangue e outra sobre algum tipo de amor abstrato, “Drain the Blood”. As três primeiras mostram a nova disposição do Distillers - inspirada em Norton, talvez, mas ninguém vai dizer isso - a experimentar ritmos e mudanças de tempo; quando uma batida surpreendente ou um riff particularmente complexo emerge, eu olho para o Norton, sacudindo sua cabeça no tempo da música; ele olha de volta e pisca. A quarta música, aquela que ninguém queria que eu escutasse e que é claramente a mais áspera do grupo, mostra a Armstrong evoluindo como poeta. Ela não me deixou perder essa. Porque o seu canto é dificilmente detectável através da bateria de Granelli e das guitarras ainda enlameadas, ela se senta ao meu lado e me entrega uma folha com a letra, com as palavras datilografadas por cima de uma escrita com caneta esferográfica. “Para cada uma dessas eu tenho 10 páginas que eu já cortei,” ela me conta. “Essa meio que continua assim.” Ela canta o resto da música no meu ouvido. “You say you want a revelation/Revel in this my lover/You’re free, at liberty/Is this what you want?”

Com 24 anos de idade, com o fogo em sua garganta e com um forte desejo de defender os jovens ofendidos em todo o mundo, Armstrong está trabalhando conscientemente para esculpir um nicho para si no mundo do rock que ninguém jamais ocupou antes: Ela quer ser a guitarrista, compositora e líder de uma banda de rock, mas ela não quer ser estrela. Quando eu perguntei para ela o que ela pensa que representa para uma multidão de garotas adolescentes, ela desvia da questão como se nunca tivesse pensado sobre isso. “Puta merda!” ela diz. “Elas são tão jovens assim?” Pressionada a se definir, Armstrong alega timidez: “Eu cuspo em todo o lado celebridade dessa porra de negócios,” ela diz. “Eu odeio pessoas projetando coisas em mim, eu odeio pessoas assumindo merdas por mim. É constrangedor.” Ela nunca quis ser Mick Jagger, ela insiste, apenas Keith Richards - um ótimo guitarrista em uma ótima banda.

Ela parece estar em seu momento mais vulnerável e sincero; você quer acreditar nela, quer pensar que a garota que parece mal-humorada sobre a cabeça dos seus fãs quando faz shows e tem uma postura fria, realmente não quer a atenção que está recebendo.
Isso seria agradável, incomum, charmoso, você poderia amá-la por causa disso. Mas então, aí está ela, a mesma jovem mulher que disse que relutava em posar sem a sua banda (“Este não é o Grupo da Brody”, declarou ela sobre o Distillers), aparece sem remorso como sendo a única mulher entre 11 homens na capa da Rolling Stone. (Dentro da revista, ela está encostando a língua na de sua renomada nova paixonite, Josh Homme, do Queens of the Stone Age.) Sua autoconfiança foi toda escrita por Mick Jagger. Mas provavelmente não importa o que Armstrong pensa sobre ser uma rock star; o trem deixou a estação com Armstrong inescapavelmente a bordo e não é provável que voltará antes de setembro, quando o Distillers encerra sua primeira turnê Lollapalooza e se empenha para promover o seu recém-criado registro. Celebridade é uma vadia e Armstrong, provavelmente, nunca conseguirá o que quer com ela. Ela está pronta para ser a próxima ídola roqueira do mundo, aquela cujas colegiais tingirão seus cabelos para combinarem com Brody, aquela cujos críticos estarão analisando para a evidência da evolução política das mulheres jovens, aquela cujas letras serão escolhidas para entender os adolescentes de hoje.

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Toda essa conversa sobre celebridades, no entanto, obscurece muitas coisas que Armstrong parece ser quando você a conhece pessoalmente: entra elas, um enorme coração, uma australiana compassiva, obcecada com os problemas tipicamente americanos de distúrbios alimentares e adolescentes com armas, e com vontade de escrever canções sobre eles no mais simples dos termos. “I went to school today with an Uzi,” Armstrong canta em “Sick of it All”, do último disco do Distillers, um pequeno milagre chamado “Sing Sing Death House” que surgiu há um ano pela Hellcat/Epitaph. “There’s this kid he teased me so I shot em in the face.” Eu perguntei para ela se ela se preocupa com a banda estar promovendo violência. “Você tem que entender a ironia que há,” ela diz. “Eu sou fascinada por armas e esse lado da cultura americana. Eu cresci em Melbourne, onde minha mãe fazia parte de um grupo de pais que eram contra armas nas escolas. Ela sempre protestava. Eu nunca segurei ou manipulei uma arma até me mudar para a América. Isso está tão impregnado na cultura. É um ícone americano, como você pode negar isso? Em nenhum outro lugar do mundo as armas são tão importantes. Algo sobre elas, simplesmente, me fascina, algo tão feio, algo que pode causar um dano fodido, poderia ser assim, você sabe - é como se fosse quase uma religião.”

Na Austrália, ela diz, “Fazendeiros possuem armas para matar coelhos que infestam suas colheitas. Não há cultura de armas, pelo menos não da forma que há aqui. E eu não acho que em outro lugar do mundo você achará uma cultura de armas como esta. Mas eu não estou dizendo, 'olhe, pessoal, isso é o que deveriam fazer.' Eu estou dizendo, 'olhem todos para isto. Isto não está certo. Esse jovem não acha que tem outra opção a não ser fazer isso, e é o que me assusta.'”

Bevilacqua, um jovem homem esbelto com olhos castanhos escuros, está sentado no chão e apóia Brody: “É como no [filme] 'Bowling for Columbine',” ele diz. “A garotada no Canadá aprende história e política com os noticiários; eles aprendem sobre a quantidade de pessoas que levam tiros em L.A. Não é como se você pudesse fingir que isso não está acontecendo.”

Brody Armstrong não está aqui para que se faça clara. Na verdade, se há algo que ela possa fazer para intrometer-se, ela fará. Ela não é um ser político, não é uma sedutora rebelde empunhada de um machado feminista, não é uma boneca desafiadora como Courtney Love, nem sequer é uma Patti Smith - uma mulher que exibe de forma triunfante um sovaco cabeludo na capa do seu disco - Armstrong gosta do mundo para ver quantos tons de cabelo ela pode usar sem deformar sua beleza natural; ela se encolhe em um superdesenvolvido tríceps, que é mostrado em uma foto sua tocando guitarra, e ela não se chama de feminista. “Alguma vez eu já usei essa palavra?” ela pergunta para Bevilacqua. “Eu creio que não. Não é que seja feia. É só porque eu não uso essa palavra à toa.”

Após uma pausa, ela reconsidera: Não é que ela não seja uma feminista. Ela até mesmo escreveu uma música, “Seneca Falls”, inspirada no documentário de Ken Burns sobre o direito de voto da mulher. “Elizabeth Cady/Forever reminding me/I don’t steal the air I breathe.” É que chamá-la de feminista poderia de alguma forma ligá-la ao rarefeito e curioso mundo das “Mulheres Que Detonam” - essas mulheres que acham que estar à frente de bandas de rock é uma declaração política. É um destino que ela se recusa. “As pessoas usam esse rótulo [mulheres no rock] quando eles falam de mim como se eu fosse algum tipo de novidade,” ela reclama. “Mas não sou. Isto não é novidade.”

O Distillers surgiu no final de 1998 com a baixista Kim Fuelleman, o baterista Matt Young e, um pouco depois, Rose Casper na guitarra, dando um formato mais irregular aos hinos rápidos e bagunçados de Armstrong, em músicas como “The World Comes Tumblin’ Down” (“Start a riot, slash ya wrists red”) e no cover de “Ask The Angels” de Patti Smith, músicas que mais se parecem e soam como exuberantes discursos de um monte de jovens tentando tocar de forma raivosa. O registro foi distinguido apenas por rajadas ocasionais de senso de humor melódico e da voz de Armstrong, um grito profundo e gutural com uma borda de estática, que não parece pertencer de forma decisiva a ambos os sexos; o disco soa primitivo e cru e emprestou uma pura emoção para as músicas que poderiam ter vindo de fora do planejado.

Ao longo do tempo, “Sing Sing Death House” veio em 2002 e Fuelleman e Young partiram para a banda de Exene Cervenka, o Original Sinners. Casper também deixou o grupo. Armstrong tinha adquirido Granelli da banda de Bay Area, o Nerve Agents, e ele, então, recrutou Sinn, até o momento, um guitarrista educado em pouco mais de speed metal. Brody também aprendeu a cantar com o seu diafragma, talvez protelando os nós das cordas vocais (o que ela diz ter sido praga da sua boa amiga Shirley Manson) e aprendeu a compor letras baseadas em algo além de sua própria raiva incipiente: “Emptiness never sleeps at Clifton’s 6 a.m.,” ela canta em “City of Angels”, o single mais amigável para as rádios que o disco tem. “With your bag-lady friend and your mind descending/Stripped of the right to be a human in control . . . we don’t rest in peace/we just disappear.”

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O disco era bom, sólido, punk enérgico; os críticos curtiram, as pessoas prestaram atenção. Mas a banda não estava feliz. “Ele não alcançou as nossas capacidades, no momento,” disse Granelli. “Nós o gravamos em um estúdio em Hollywood em duas semanas e durante esse período um dos técnicos fumava crack direto, o que nos tirou quatro dias dessas duas semanas que tínhamos para gravar o disco. Foi tudo tão apressado - era tipo, uma música era composta, ensaiada e gravada porque nós não tínhamos tempo algum de voltar atrás e repensar sobre.”

Eu digo ao Sinn que fiquei impressionada com suas linhas de baixos, que se destacam em canções como “City of Angels” como contrapontos ágeis para o pulso hard rock da banda. “Sabe como o baixo soa no disco?” Sinn pergunta. “Ele soa 180 graus de como eu queria que soasse. Esse é o som de 'nós estamos trabalhando há 16 horas e nós temos que concluir tudo em dois dias então isso é tudo o que terá que fazer'.

Mesmo assim, o disco foi bem-sucedido o suficiente para que a banda saísse em turnê e abrisse para o No Doubt e Garbage no outono de 2002; quando eles concluíram os shows no mês de março, Armstrong adicionou Bevilacqua ao line-up após tê-lo visto tocando em uma banda com o Granelli. “Foi totalmente instintivo,” diz Armstrong. “Ele é um ótimo guitarrista.” Ela também sabia que iam se dar bem - Bevilacqua conhecia a banda desde o final de 1999, quando Armstrong o recrutou dos escritórios da Epitaph para vender as camisas da banda. “Ele costumava ser nosso burro de carga, mas o promovemos para roadie,” ela diz. “Agora ele está tocando no palco.”

No inverno de 2003, a banda fechou contrato com a Sire, uma divisão da Warner Bros., para bancar e divulgar o seu novo disco (ele será oficialmente lançado pela Sire/Hellcat). A mudança trouxe à tona o conflito latente da banda com os puristas do punk, mais especificamente os leitores gerais da revista intensamente política; Faça Você Mesmo Maximumrocknroll, “as crianças”, da perspectiva do Distillers, parecem pairar nas sombras como harpias prestes a descerem sobre o transgressor. “Esse álbum é um pulo tão grande para nós, musicalmente e filosoficamente,” diz Armstrong. “E quando nós ouvimos, nós ficamos tipo 'oh, meu Deus, as crianças vão pirar. Elas não ficarão felizes e, francamente, eu não me importo. Eu quero ramificar. Eu não quero ser rígida. Eu não sou uma pessoa míope e eu não estou querendo aplacar ninguém. Essas crianças da Maximumrocknroll, elas todas são doidas políticas, até mesmo quando não estão tentando ser,” ela continua. “Elas são ovelhas. Elas não podem formar opiniões próprias. E elas estão com raiva de mim por todos os tipos de razões que nada têm a ver com a música.”

Tipo o quê?

Bem, vamos apenas dizer que eu, definitivamente, irei fazer uma camisa com o dizer 'Extração de Ouro'. Com certeza.”

Há uma maneira em que Maximumrocknroll se torna uma espécie de pára-raios para a ansiedade de Armstrong sobre a maneira como o mundo a vê: De acordo com Arwen Curry, o co-coordernador da revista (é uma espécie de lugar não-hierárquico), ninguém de fato chamou Armstrong de garimpeira nas páginas da revista ou até mesmo nos corredores. “Nós sempre procuramos cobrir quem cobrimos,” ela diz, “isso quer dizer bandas produzidas independentemente, sem estarem relacionadas com os grandes selos de gravação. Nós não os odiamos, nós simplesmente não estamos preocupados com eles. Eles não precisam de nós.” Tampouco, diz Curry, alguém na revista tem uma opinião a compartilhar sobre o divórcio iminente Armstrong, com o líder do Rancid, Tim Armstrong, o homem que conheceu sua mulher aos 17 anos, que casou com ela aos 18 (ele tinha 30), a atraiu para a América e a contratou pelo próprio selo. “Nós não temos um investimento emocional no Distillers,” Curry diz. “E eu posso te dizer que, dos 25 escritores daqui, haverá alguns que gostarão do novo disco deles. Nós só não iremos analisá-lo porque não é o que fazemos.”

Abundância de veneno foi vomitada em Brody Armstrong em outros lugares, no entanto, incluindo várias salas de chat centralizados no punk na internet e a cena do rock em Silver Lake, onde o consenso geral varia de “Brody usou o Tim como uma escada por seis anos" a "Brody está atirando novamente” (“Eu aparento ser uma viciada em heroína pra você?” ela pergunta) e a “Brody é uma puta.” Pode-se dizer que ela tornou as coisas um pouco piores, posando para um ensaio fotográfico sensual com Homme na Rolling Stone, mas ei, isso continua não sendo da sua conta. “Eu amo o Tim,” ela diz. “Eu sempre amarei o Tim e meu amor foi sincero.” Além disso, ela repete com um olhar duro, “É privado. Ninguém sabe o que se passa na relação de outra pessoa e não há nada que eu possa dizer para me defender.

Eu penso em quantas mulheres parceiras, geralmente, se queimam entre as idades de 17 e 24 e, abertamente, admiraram sua tenacidade. Ela está impressionada. As pessoas vão dizer o que quiserem, ela falando ou não. Ela está tentando não ser doce sobre isso.

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Mas não ser gentil é por muitas vezes um jogo difícil para uma mulher jovem, mesmo que seja tão grosseira como Armstrong. O cigarro entre os dedos treme quando ela fala sobre a resistência que ela recebe do mundo, sobre os insultos que ela recebe das “crianças”, dos rumores que giram em torno dela. Quando eu pergunto para Brody se a mídia vai fazer com ela o que fez a Courtney - marcá-la como a Jezebel que estraga um roqueiro amado - ela declara que isso já foi feito e então rapidamente lança uma explicação com todas as maneiras de como é diferente de Love. Ela não tem o ego da Love, ela não corteja controvérsia, ela é tímida. "Eu não quero ser aquele tipo de rock star!" ela diz.

Isso é, pelo menos, meia verdade: Armstrong fala firme e escreve letras brutalmente francas, faz poses provocantes em revistas de rock e ostenta sua sexualidade insubordinada. Mas ela não fica nada confortável com o destaque zero nas suas palhaçadas, ela parece estar ainda em guerra com a sua menina boa interior, aquela criatura Virginia Woolf, rotulada de “O Anjo na Casa”, o fantasma que está sentado no ombro de uma mulher criativa lembrando-a de ser “intensamente simpática” e “extremamente encantadora” e, “acima de tudo, pura”. Woolf escreve sobre seus violentos assassinatos (“eu peguei-a pela garganta. Eu fiz o meu melhor para matá-la”). Surpreende-me perceber que Armstrong, nascida em pós-Roe v. Wade, inspirada no pensamento feminista antes de saber o que isso era, ainda está batalhando. Que é o motivo, eu suspeito, das suas palavras fortes ficarem frequentemente fora de sincronia com suas ações; porque ela não quer ser elogiada pela sua beleza, porque ainda tropeça na primeira coisa em sua sala pela manhã (em torno das 13h) em salto agulha e vestindo uma camisa precariamente feita em conjunto com alfinetes, porque ela finge tentar disfarçar sua boa aparência com maquiagens pesadas nas sobrancelhas, da cor de uma contusão antiga - um marrom avermelhado que sugere olheiras duplas cicatrizadas ao redor, mas não esquecidas - que só tornam seus olhos mais profundos e mais verdes* e maiores; ela introduz tantos verbos com alguma variantes de palavrões, e termina a maioria de seus discursos retóricos com o que parece ser uma das suas favoritas, e menos críveis, frases: “Francamente, eu estou pouco me fodendo.”

O problema é: ela se importa sim. Armstrong é uma pessoa simpática, isso é evidente pela forma como ela interage com seus companheiros de banda, que são todos igualmente amigáveis, próximos e dedicados ao espírito de colaboração da banda; há uma doçura franca sobre todos eles. E eles exalam conforto e felicidade na presença um do outro que não pode ser falsificada por um visitante. “Ela é radical,” diz Granelli sobre Armstrong, “totalmente legal, fácil de conviver. Todo mundo na banda se dá bem. Para muitas pessoas é tudo uma questão de ego, mas Brody não abusa da hierarquia.’

Punk é punk,” diz Granelli, sentado na felpuda sala de estar, porém não pretensiosa do Site, falando oficialmente para o gravador com o Sinn, que tinha acabado de largar a sua grande e vermelha biografia do Motley Crüe, “The Dirt. “The Osbournes” está passando na grande televisão, mas sem som – “É uma maratona da melhor ressaca da televisão,” conta Sinn, enquanto eu reflito sobre como ele conseguiu tingir suas raízes de louro.

Granelli é um cara grande com o cabelo desengonçado sobre seus olhos, como uma versão ligeiramente mais corpulenta e mais otimista do Joey Ramone, o que pode levar algumas pessoas a esperar que ele seja menos articulado do que ele é. Aos 24 anos de idade, ela é um musicólogo em ação, um baterista que pensa sobre coisas, tipo, como tirar daquela molecada que fica em São Francisco, na Gilman Street, o pensamento de que sabem de tudo – “seria tão legal se pudéssemos chegar e mostrá-los algo novo,” ele diz, “como o Black Flag fez por nós. Se eu não tivesse ouvido eles, se eu apenas tivesse dito, 'oh, eles fedem porque não querem soar como Michael Jackson', ou algo do tipo, eu não estaria fazendo o que estou agora.”

Ele também pensa seriamente sobre as implicações mais profundas da relação público-banda. “Nós assistimos ao DVD do Led Zeppelin ontem à noite,” ele conta para mim. “É radical pra caralho, mas tem um monte de enrolação - quero dizer, é na verdade, o show do Jimmy Page. Ele faz um solo de guitarra de 17 minutos. Foi bem legal, mas eu percebi que durante todo tempo que eu estava assistindo, eu fiquei esperando que algo mais acontecesse.”

Verdade,” diz Sinn. “Em algum momento, era tipo, eu quero ouvir a música.”

Você quer a grande recompensa,” Granelli diz.

E a nossa veio com o botão de avanço rápido.

Mas é o seguinte,” diz Granelli, “como você descobre por quanto tempo você pode fazer as pessoas pagarem? Quanto tempo você pode empurrar algo para fazer as pessoas pagarem antes que você dê à elas o prêmio? Isso é algo incrível.”

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Eu sugiro que as pessoas realmente querem pagar. Granneli concorda. “Isso é porque nós todos somos uns masoquistas.”

Granelli está colocando um grande esforço nestes dias em que determina o seu estilo, ouvindo cuidadosamente a tudo, desde os Beatles a roqueiros matemáticos do Don Caballero. “Math Rock é como ouvir jazz, tipo isso. Não há uma batida definida, são apenas rabiscos. Não há melodia, mas eu ouço porque eu não sei a razão. É interessante.”

Eu não quero ser típico,” ele diz. “Eu estou tentando, de verdade, não ser típico neste disco, mas no mesmo momento sem tocar desordenado, sem tocar por cima dos vocais e da guitarra. Com o Distillers é muito fácil tocar em cima da melodia, não deixe que os riffs de guitarra falem por si. Eu estou tentando ser bastante seletivo com nuances e coisas do tipo, apenas segurando as batidas excêntricas de alguma coisa, sabe?”

Mas isso é punk? “É a pergunta dos jornalistas feita com mais frequência para nós,” Granelli diz. Ele faz a mímica de um jornalista fictício com uma voz de rádio FM: “O que o punk significa para você?' E eu sempre respondo que eu não sei. Eu não quero que importar. Eu digo 'punk é punk' porque é engraçado. Porque rima. Porque nosso amigo Tim Presley estava dizendo isso e eu gostei.”

A questão entre os críticos de rock é que o punk do presente nunca pode competir com a cena original - não tem nenhum foco político, a sua raiva não se baseia em nada. O Ramones subverteu hierarquias sociais; o Sex Pistols e The Clash encenaram lutas de classe; o Dead Kennedys bateu no consumismo capitalista.

O que o Distillers defende?” Granelli pergunta, retoricamente. “Somos contra injustiça, deslealdade, abuso,” ele conta, “onde quer que encontremos. Se eu estiver dirigindo um carro branco e eu for encostado por dirigir um carro branco, só porque a polícia não gosta de carros brancos, então somos contra esse tipo de coisa.”

A única vez que eu penso sobre isso é quando alguém pergunta,” diz Granelli. “Na maioria das vezes, eu não me importo.”

É,” diz Granelli. “Nós não pensamos, 'nós somos uma banda punk', porque todos nós curtimos diferentes coisas. Tipo, nós não expulsamos o Ryan por ouvir Emperor.”

Granelli trabalhava em São Francisco, dobrando camisas em uma loja de roupas de snowboard de dia, tocando ocasionalmente com o então falecido Nerve Agents à noite, quando Brody Armstrong surgiu com a oferta. Os dois se conheceram através de Tim Armstrong, fizeram alguns shows juntos e tornaram-se amigos. “Ela me chamou e disse, 'tem essa turnê do Rancid que o Distillers fará e estaremos partindo em duas semanas. Você pode fazer? E pode nos arrumar um baixista?' Eu pensei, sim, eu posso fazer isso, então eu larguei o meu trabalho. E achei um baixista, o Dante - eu falei, vamos sair em turnê, vamos fazer isso, não temos mais nada para fazer. E eu meio que permaneci,” ele conta. “Isso sempre pareceu o certo.”

Dante foi para outros projetos e Granelli trouxe Sinn, quem ele conhecia há anos como guitarrista de black metal. “Ele me perguntou, 'Você pode tocar baixo?'” Sinn relembra. “E eu disse não. Então eu saí e pensei sobre isso e resolvi tentar. Agora isso parece mais natural para mim que tocar guitarra.”

É,” Granelli ri. “Menos cordas.”

Menos cordas,” Sinn responde, “porém muito mais concentração.”

Olhando para os aveludados pinheiros que se estendem até as colinas vistas da janela do estúdio, eu me pergunto em voz alta como uma banda tão obcecadas em ódio e sofrimento em suas letras e postura, pode reunir raiva em um ambiente tão bucólico. A banda tem um mês e meio apenas para ensaiar, mais um mês inteiro para gravar. O esquadrão MRR pode conseguir tudo o que eles quiserem; assinar com uma grande gravadora tem seus privilégios. “É tão bacana ter apenas esse tempo para não fazer nada além de música,” diz Sinn. “Isso não nos distancia do que fazemos. Isso apenas nos dá mais tempo para sentar e pensar sobre.”

My name is Brody
I’m from Melbourne
Fitzroy Melbourne, Fitzboy Melbourne
I grew up on Bell St. then on Bennett St.
My mom kicked out my dad for battery
Found a way she found a way out of spiritual penury
Working single mother in an urban struggle
Blames herself now ’cause I grew up troubled.”

— “The Young Crazed Peeling”, do disco “Sing Sing Death House”

Brody Armstrong nasceu como Brody Dalle** em Melbourne, Austrália, de uma mãe enfermeira. A mãe expulsou o pai de casa quando Brody ainda era criança. Aos oito anos de idade ela começou a ter aulas informais de violão com um cara*** que ficava no final da rua que ela morava. “Ele me ensinou a tocar as minhas músicas favoritas,” ela relembra. "Ele me ensinou ‘Teenage Whore’ quando eu tinha 13 anos.” Aos 14, ela montou sua primeira banda, a só de garotas Sourpuss, com sua melhor amiga, Sara Barber e quase que imediatamente garantindo presença em shows livres, com outras bandas punks da cidade. Desde o começo, o gueto de meninas roqueiras a incomodava. “Nós começamos ensaiando nesse lugar chamado Rock ’n’ Roll High School, que é dirigido por essas feministas psicóticas em Melbourne - Quando digo feministas psicóticas, quero dizer como porcas nazistas, fora de si,” ela relembra. “É uma escola de rock and roll feminina, designada para ajudar jovens mulheres a aprenderem como montar e plugar tudo, o que é ótimo. Foi um processo bacana - Bandas americanas como Sonic Youth e Babes in Toyland pintavam por lá, doavam instrumentos e dinheiro para a causa e nos assistiam tocar.”

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Mas a bandas de meninas eram curiosidades, suas integrantes entregavam-se não porque eram boas musicistas, mas porque eram do sexo feminino e Armstrong logo se cansou do tratamento especial: “Eu odiava tocar sob o banner de uma escola feminina porque isso nos prejudicou mais do que nos ajudou. Nós não estávamos levando isso nem um pouco a sério e eu fiquei tão ressentida que eu não quis mais fazer parte disso.” Depois de uma discussão amarga com a fundadora da escola, Stephanie Bourke, Armstrong deixou a escola e prometeu que ela nunca deixaria ninguém chamá-la de uma menina roqueira novamente.

Dois anos depois ela saiu de casa e alugou um espaço em Jalong, uma pequena cidade praiana industrial à uma hora de Melbourne, “Uma merda, um lixo-branco de lugar. Minha casa ficava, na verdade, na via expressa, então eu senti, metaforicamente, que eu nunca fui tranquila. Vrum, vrum, vrum por toda noite - a janela do meu quarto ficava nessa via expressa. Era um caos total durante todo dia, todo dia.” Ela voltou para casa um ano depois porque ficou sem dinheiro. “Eu senti uma espécie de pouco mais de uma dor súbida,” ela lembra. “Naquele momento, no qual sozinha, eu percebi que eu não poderia realmente funcionar muito bem. Então fui pra casa e quando andei até minha mãe que estava lavando louças, eu apenas fiquei lá e olhei para ela como nunca tinha visto-a antes - como uma mulher, não como minha mãe, como uma pessoa que tinha pensamentos e sentimentos e vida própria antes de eu ter surgido. Eu pensei, 'Ai, merda, nós temos que virar amigas agora.” Ela e seu pai também são mais próximos hoje em dia. “Eles são meu apoio no mundo. Eu ficarei fodida sem eles.” “E,” ela adiciona, “eles irão amar esse disco.”

Ao contrário de como Armstrong pode ser qualquer tipo de análise gênero-específica de seu lugar no rock & roll, suas canções continuam militantemente falando sobre meninas e mulheres e seus problemas, em particular uma personagem assustadora que ela chama de Gerti Rouge, que emerge em partes do disco de estreia do Distillers e para quem ela dedica uma música inteira, “Young Girl”, em “Sing Sing Death House”: “It’s a lie when you are telling the truth/It’s the truth when you are telling a lie/Spread your legs then get down on your knees/And pray it never happens again.”

Esse não é o nome verdadeiro dela,” Armstrong explica, “mas ela é minha melhor amiga de infância e ela foi molestada pelo seu pai desde sempre até mais ou menos os 14 anos. Sua mãe era uma psicóloga infantil, o que fez a situação ficar pior ainda. Nos anos 80 sua mãe era apenas uma viciada em pílulas e sabia o que estava acontecendo, mas não sabia como pará-lo. Ela era obesa e só alimentou a sua dor e a sua culpa.”

Quando eu e minha mãe a tiramos dessa situação, nós contamos à mãe dela o que estava acontecendo e a mãe dela veio à minha casa. Eu estava sentada lá e sua mãe tirou uma prancheta e ao invés de segurar a filha, ela apenas perguntou: 'Então, diga-me o que aconteceu?' E Gerti estava sentada lá, chorando. Minha mãe ficou tão enojada. Isso foi muito inacreditável. Nós ficamos tipo, 'Essa é a sua filha, não a filha de outro alguém.' Foi inacreditável pra caralho.”

Gerti não era anoréxica ou bulímica e ela não era viciada em drogas, conta Armstrong, “mas ela se cortava. Sim, ela se cortava. Eu conheci meninas que eram anoréxicas também,” ela diz. “Alguém muito próximo de mim é anoréxico e isso só jogou a família dela no inferno. Isso é tão assustador, tão triste que algumas mulheres sentem que têm que passam fome e essa mulher que eu conheço, ela sabe que tem um problema e ela simplesmente não consegue parar. Eu vejo essas garotas, elas têm 14 anos de idade, são mais altas que eu e pesam a metade do que eu peso.”

Garotas precisam comer sanduíche!” diz Bevilacqua. “Isso é o que dizemos para essas garotas palitos.”

"Certíssimo," diz Armstrong. “Quem quer fazer amor com um saco de ossos? O que você faz com isso? Não é saudável; é ruim para os seus órgãos.”

Eu peso 63,5Kg,” ela anuncia, corajosamente. “Na verdade, eu peso 67Kg. Quando eu me mudei para este país, eu pesava 54,4kg. Um ano depois eu pesava 72,5Kg - 72,5kg! - puramente por causa da maneira que eles servem comida aqui. Uma dose aqui é como quatro porções de alimentos em qualquer outro lugar.”

Eu tenho 1,72m de altura, então eu carreguei isso,” ela adiciona. “Mas meus seios ficaram gigantes.

Nós chamamos o Tony para tocar no último minuto,” diz Armstrong, já que Bevilacqua continua sentado no chão, olhando para ela admiradamente.

Logo antes de irmos ao Japão,” Bevilacqua adiciona.

Isso sempre acontece desse jeito,” Brody continua. “Toda pessoa que alguma vez já foi recrutada vem sempre logo antes de um disco. Rose eu chamei duas semanas antes de termos gravado o primeiro disco, Ryan duas semanas antes do segundo disco e agora você," ela diz para Tony, "olhe para você com aquelas pestanas. Pra quê você precisa daquelas pestanas? Espero que você não vá fuder tudo e então termos que demiti-lo!”

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Vocês irão me despedir? Tony finge estar chocado.

Sim, você tá demitido! Você tá demitido!”

Ou talvez nós iremos colocar você para cantar, então eu poderei apenas ficar na minha e tocar guitarra. Ele é um bom gritador,” ela conta, olhando para Bevilacqua. “Eu queria que ele ficasse na frente. Depois, você pode ser o garimpeiro, também. Você pode pegar o ouro.”

Antes de eu sair, Armstrong me mostrou o trabalho de arte feito por Tim Presley para o álbum - várias ilustrações baseadas em mulheres desmembradas e lâminas de barbear. Em um desenho, uma árvore tem folhas das navalhas; em outro, o torso de uma mulher está sangrando pendurado em uma árvore. “Eu dei para ele uma letra sobre uma mulher que foi assassinada em um parque em Melbourne,” ela conta. “Foi tão horrível. E ele surgiu com isso. Não é totalmente demais?”

A arte não é mais perigosa,” Armstrong declara. “Eu mal vejo uma arte que me faça dizer 'Puta merda!'. Eu quero que a arte seja perigosa de novo.”

No meu caminho para fora da porta, enquanto eu estou devorando um sanduíche de salada de camarão e abacate que sobrou do almoço da banda, Armstrong me pára.
Espere,” ela demanda. ‘Mais uma coisinha. Você precisa provar isto. Tivemos pudim de caramelo na noite passada, e é bom pra caralho.” Ela puxa um prato fora da geladeira e me dá uma colher. Eu faço o que ela diz - Eu cavo para pegar as partes crocantes de caramelo que se instalaram na parte inferior. Ela está certa; é um excelente pudim de caramelo. Eu acho que eu não comia isso desde que eu tinha 12 anos ou mais, e o sabor de feito em casa e da manteiga rugosa trazem de volta uma enxurrada de lembranças da adolescência. Como Armstrong insiste, eu pego mais uma colher, eu me maravilho com a sensação de desorientação de uma mulher de duas décadas mais nova que eu, me puxando para a sua confiança, envolvendo-me em uma daquelas conspirações de meninas: Sapatos, namorados, pudim de caramelo.
Ainda há um anjo na casa de Brody Armstrong.


Correções:
*Azuis, na verdade.
**Nah. O nome Brody Dalle veio depois de Brody Armstrong e nenhum dos dois é o seu verdadeiro nome.
***Na maioria das entrevistas, Brody diz que aprendeu a tocar violão com o seu tio, Frazer.